O Saneamento de Santos


Saneamento da cidade determina seu plano urbanístico
O saneamento de Santos determinou as grandes avenidas da cidade e de que forma ela se desenvolveria a partir daí. Na verdade, naquela época, "saneamento" corresponderia ao que hoje chamamos de "urbanismo", um termo que ainda não existia. Uma vez que os canais de drenagem cortariam áreas ainda ermas da planície, era preciso projetar ruas e pontes. Graças ao projeto de saneamento, a cidade cresceu de forma ordenada e é por isso também que esta página está inserida nesta seção de Arquitetura.
O projeto de saneamento de Santos, de projeção internacional, está descrito em "Projetos e Relatórios - Saneamento de Santos", volume VII das "Obras Completas de Saturnino de Brito".
Hoje, os canais de Santos são tombados pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat) e pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Santos (Condepasa).


1880 - Santos, terra das epidemias

O saneamento e a saúde era um problema endêmico de Santos. Em fins do século XIX, as epidemias foram responsáveis pela morte de quase 50% da população santista. A febre amarela, varíola, peste bubônica, impaludismo, febre tifóide, desinteria e outras doenças faziam de Santos e de São Vicente uma das regiões mais insalubres do Brasil.

A zona do Outeirinhos, entre Macuco e Vila Mathias, era um extenso brejo,
a exemplo de outras áreas da planície, A partir de 1907, a construção dos
canais de drenagem começa a mudar a paisagem, (Coleção. João Gerodetti)
1880 - As causas da insalubridade
Além da ausência de uma rede de esgotos, o serviço de abastecimento de água não era adequado. Abafada pela vegetação, a planície santista vivia quase que permanentemente alagada. Com a ausência de declives, o terreno retinha a água das chuvas e das nascentes dos rios. Os rios e ribeiros, como o São Bento, o Rio dos Soldados, o Macaia, o São Jerônimo, Itororó e o Dois Rios, repletos de materiais putrefatos, tinham a sua vazão para o mar dificultada, pois as marés formavam bancos de areia e bloqueavam as saídas. Dessa forma, até mesmo junto à zona comercial, era comum a presença de pequenos cursos d'água, poças e pequenas lagoas, que propiciavam a proliferação de mosquitos e moscas. Todos esses fatores tornavam Santos extremamente insalubre e deixavam seus moradores à mercê de doenças e epidemias. Era tão preocupante a situação que a Cruz Vermelha Brasileira aqui mantinha um posto permanente de combate à maleita.
Pressionado, em 1882 o governo da Província nomeia três comissões para estudar o problema e propor projetos para o saneamento de Santos, as Comissões Ferraz, Cochrane e Lisboa.

A Vila Mathias, na altura do início da Av. Ana Costa, estava sujeita a
constantes inundações devido à falta de vazão das águas do Córrego dos
Meninos, na época das chuvas (foto Obras Completas de Saturnino de Brito).
1889 - Novo cais e nova epidemia
Com o início da construção do cais nas áreas do Porto do Bispo e da Praia do Consulado, Santos foi atacada pela pior epidemia de sua história, resultando em verdadeira tragédia pública. Muitos creditaram a eclosão da doença ao revolvimento do lodo e dos detritos existentes naquelas áreas do porto.

A construção do primeiro trecho de cais provocou uma epidemia mas
canalizou rios, aterrou mangues e saneou a região do Valongo (foto Setur).
1889 - O papel da Cia Docas
A iniciativa de sanear a cidade foi de Américo Martins, que a levou ao santista Vicente de Carvalho, então Secretário de Interior. Este a incluiu no programa do Dr. Bernardino de Campos, Presidente da Província. Vicente de Carvalho chama o especialista norte-americano Dr. Fuertes, mas quando este chega a São Paulo encontra o projeto completo e pronto, que Américo Martins encomendara a seu cunhado Dr. Garcia Redondo. O projeto de Redondo foi aprovado em todas as suas linhas. Datam desses fatos os trabalhos iniciais de saneamento efetuados pela Cia Docas, com a canalização a coberto de cinco ribeirões que desaguavam no estuário e que contribuiu para a salubridade do Valongo. Além disso, a própria construção do cais e a sua posterior ampliação veio a constituir o que Saturnino de Brito chamou mais tarde de "cinturão sanitário de Santos", pois com a construção das muradas e os aterros feitos desapareciam os lodaçais da margem do estuário perto da cidade, uma das principais fontes das endemias que reinavam em Santos.
Obras da canalização do Ribeirão do Itororó, na atual Rua Riachuelo (foto de Obras Completas de Saturnino de Brito)
1889 - A primeira rede de esgotos
A partir da última calamidade que atingira a cidade, ganha força uma grande campanha para o saneamento de Santos. Vicente de Carvalho, como Secretário do Interior, toma uma série de medidas saneadoras, entre elas a ampliação do serviço de limpeza pública e a instituição da vacina obrigatória. Também se inicia a construção de uma rede de esgotos e se obriga a observância do novo Código de Posturas, encomendado ao Eng. Brant de Carvalho e promulgado em junho de 1896. O Governo do Estado assume a obra da rede de esgotos e o primeiro serviço de esgotos é implantado de 1900 a 1903.

O plano urbanístico de Saturnino feito a partir dos canais de drenagem previa grande avenidas, os jardins da praia, grandes praças, conjuntos poliesportivos
e escolas públicas. Um grande eixo ajardinado cortaria a ilha, acompanhando
a linha férrea e as futuras linhas do "tramway" (que hoje seria um VLT).
1905 - O projeto de Saturnino de Brito
O engenheiro Pereira Rebouças assume a Comissão de Saneamento de Santos e convoca o engenheiro Francisco Saturnino de Brito para projetar o extraordinário plano de saneamento da cidade. A primeira fase compreendia a abertura de canais de drenagem para dar vazão às águas das chuvas e canalizar as águas de rios e ribeiros. A segunda fase consistia nos serviços de esgoto, na ampliação da rede coletora e na construção dos emissários, das estações elevatórias e das usinas de recalque para o bombeamento do esgoto, uma vez que o terreno plano não propiciava a condução por gravidade. O projeto era ambicioso e previa até a disposição de ruas e quadras a partir dos canais, um perfeito planejamento urbano para o crescimento da cidade.
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Obras da contrução do Canal 1 (foto Obras Completas de Saturnino de Brito).
1907 - Os canais inteligentes de Saturnino
O sistema de canais de Saturnino de Brito era bastante inteligente: era indispensável que os canais se prolongassem até a ligação de mar a mar para permitir a renovação das águas nas grandes marés, evitando que as mesmas ficassem paradas e provocassem aspecto ou cheiro ruins. Para garantir essa renovação das águas e impedir que as areias acumuladas pelo mar obstruíssem as descargas, seriam instaladas adufas (comportas) para represar as águas de preamar e descarregá-las em baixa-mar. O impulso das águas represadas levaria folhas e detritos para poços ou caixas de areia construídos no fundo do canal - um canal auto-limpante!
As obras começaram em 1906, comandadas por Miguel Presgreave e pelo próprio Saturnino. O primeiro canal a ser aberto foi o Canal 1, que aproveitou o curso natural do Rio dos Soldados, eliminando-o. Foi inaugurado em agosto de 1907, com muita festa e a presença do Presidente do Estado, Dr. Jorge Tibiriçá. Na verdade, a inauguração foi do primeiro trecho, no bairro do Paquetá; o término da construção se deu em 1910.

A construção do canal na praia e o sistema de comportas.
A obra era trabalhosa e demandava o represamento das águas
em maré baixa (foto Obras Completas de Saturnino de Brito)
1907 - Obras dos canais urbanizam entorno
Depois do canal 1 (hoje Av. Pinheiro Machado), foram construídos os canais restantes. O Canal 2 (Av. Bernardino de Campos) foi concluído em 1910. Em 1911 foram terminados o Canal 7 (ao lado da Santa Casa, Av. Francisco Manoel), o Canal 9 (Av. Barão de Penedo) e o Canal 4 (Av. Siqueira Campos). Em 1912 foi inaugurado o Canal 8 (Av. Moura Ribeiro, no Marapé). O canal 6 (Av. Joaquim Montenegro) foi inaugurado em 1917. O Canal 3 (Washington Luís) acompanhou o curso do antigo rio Dois Rios e foi completado em 1923. Em 1927 foi entregue o Canal 5 (Av. Almirante Cochrane), o último do plano de Saturnino de Brito, que faleceu dois anos depois.
No total, o sistema de Saturnino compreendia nove canais, em direção ao mar e ao estuário, que atravessavam a ilha, com muitos trechos subterrâneos e pontes. A terra retirada para a abertura dos vãos era usada para aterrar os brejos e alagadiços da planície. Os canais íam se abrindo e, junto com eles, era realizada a urbanização de seu entorno: levantavam-se os muros, as ruas ganhavam calçamento e eram construídos passeios arborizados.

O canal 1 recém-construído, na altura da Rua Constituição com
a Campos Sales (foto Obras Completas de Saturnino de Brito)
1911 - O sistema de esgotamento sanitário
Nessa segunda fase a rede coletora do esgoto urbano é ampliada, são construídos dois emissários, a estação elevatória do José Menino, usinas e bombas de recalque. O sistema funcionaria da seguinte forma: o esgotamento sanitário coletado pela rede seria feito através do emissário Rebouças, que levaria todo o esgoto à estação elevatória do José Menino, de onde seria bombeado através de outro emissário até a Ponta de Itaipu, na época situada no Município de São Vicente, onde seria lançado em mar aberto. Saturnino estudou o sistema das marés daquela área e programou o despejo a uma distância suficiente para que o material despejado não retornasse às praias.

A atual Praça Washington, no José Menino, e a usina terminal do sistema
projetado por Saturnino. Daqui o esgoto era bombeado através de outro
emissário, em direção a Ponta de Itaipu. As usinas de recalque eram uma
versão menor da construção que se vê acima e estavam espalhadas pela
cidade. Algumas ainda existem e estão em funcionamento (img. Poliantéia)
1914 - A Ponte Pênsil
Para sustentar a última seção do grande emissário do sistema de esgotos, entre a Ilha de São Vicente e o Continente e até a Ponta de Itaipu, surgiu a necessidade da construção de uma ponte em São Vicente: a Ponte Pênsil. Comprada sob encomenda da Alemanha, ela veio toda desmontada, com os engenheiros aptos a erguê-la.
A Ponte Pênsil foi a primeira com este porte no país. Sua inauguração, em 21 de maio de 1914, marcou a data oficial da inauguração do sistema de saneamento, que se deu em meio a grandes festividades e com repercussão internacional. A partir de 1915, o serviço de esgoto domiciliar de São Vicente foi ligado ao de Santos. O plano de saneamento de Saturnino, que projetou canais e um inteligente sistema de esgotamento sanitário, livrou a cidade definitivamente da insalubridade e das epidemias, assegurando a habitabilidade e o desenvolvimento da cidade e do porto.

A Ponte Pênsil foi construída para sustentar os grandes tubos do emissário
através do canal marítimo que separa a Ilha de São Vicente do continente.
1889-1914 - Os créditos da campanha sanitária
Santos não deve o seu saneamento somente a Saturnino de Brito. Outros cidadãos também contribuíram, de uma forma ou outra, para a grande campanha sanitária da cidade, iniciada em 1889. São eles: Dr. Miguel Presgreave, Dr. Tolentino Filgueiras, Dr. Militão Pacheco, Dr. Vieira de Melo, Dr. Paulo de Sousa, Dr. Luiz Viana, Dr. Emílio Ribas, Dr. Eduardo Lopes, Dr. Franscisco Cavalcante, Américo Martins, Dr. Pereira da Cunha, Dr. Álvaro Ribeiro, Dr. Manuel Francisco da Costa, Dr. Garcia Redondo e Dr. José Pereira Rebouças.
E um destaque especial deve ser dado ao Dr. Guilherme Álvaro que, ao lado da Comissão de Saneamento chefiada por Saturnino, dirigia a Comissão Sanitária de Santos, responsável pela fiscalização entre os habitantes. O problema sanitário era tão grave que a equipe da Comissão Sanitária tinha poder de polícia e autorização para o uso da força no esvaziamento da super população que ocupava cortiços no Centro da cidade.

1917 - A qualidade da água melhora
Com a passagem do serviço de abastecimento de água da antiga Cia. de Melhoramentos de Santos para a The City of Santos Improvements Co., em 1881, o abastecimento de água da cidade foi ampliado e melhorado. Mas a mudança determinante para a melhoria da saúde pública foi a alteração, em 1917, da captação de água dos antigos mananciais já poluídos para a Cachoeira dos Pilões, no alto da Serra do Mar, em Cubatão. A City forneceu água para Santos, São Vicente e Cubatão até 1953, quando o serviço foi encampado pelo Estado.

1968 - O número de canais aumenta
Além dos 6 canais superficiais que atingem a praia, o pequeno canal do José Menino (perto do Orquidário), outro no Marapé (Rua Moura Ribeiro) e outro no Jabaquara (perto da Santa Casa), há os trechos subterrâneos, sendo o maior deles na Rua Brás Cubas, no Centro.
Em 1968, o sistema de drenagem de Saturnino foi incrementado pela Prefeitura Municipal, que construiu o atual Canal 7 (Ponta da Praia), o que fica no final da Av. Afonso Pena e um na Zona Noroeste (Rua Jovino de Melo). Assim, somando todos os canais superficiais, Santos ficou com um total de 12 canais.
Essas construções abrigavam as bombas de recalque do sistema de esgotos sanitários projetado por Saturnino. Estavam espalhadas por toda a cidade e bombeavam o esgoto para o emissário Rebouças, que seguia para o José Menino. Algumas dessas instalações foram aproveitadas pela Sabesp por ocasião da ampliação do sistema e ainda podem ser observadas na cidade, como a da foto.
1970 - O saturamento do sistema e a poluição
O sistema de saneamento que Saturnino calculava ser suficiente até o ano de 1940 foi tão bem feito que suportou o crescimento da população até meados dos anos 60, quando a explosão turística e o aumento populacional nas temporadas de férias saturaram o sistema. As bombas de recalque foram ampliadas, mas o limite de vazão do Itaipu, que era de 850 litros por segundo, não atendia à vazão da época, de 1.300 litros por segundo, o que obrigava, com frequência, a abertura das válvulas da usina junto à Ponte Pênsil, jogando as águas sujas e toneladas de detritos em plena baía vicentina. As praias ficaram poluídas e muitas vezes foram interditadas, praticamente condenando turisticamante as duas cidades vizinhas. Aos problemas com o esgoto se somavam os problemas com o abastecimento de água, que não atendia mais à demanda, principalmente durante as temporadas de verão, com o crescimento sazonal da população.

Aspecto atual dos canais de Santos (foto Felipe Ozores)
1978 - O emissário submarino
Em 1974 tem início a construção do emissário submarino pela Sabesp - Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo. A obra sofre grandes atrasos e até paralisações, com o abandono dos tubos de aço na Sardenha, comprados da Itália em 1974. As maiores dificuldades estão na importação de dutos e equipamentos, até que o então presidente Ernesto Geisel intervem e finalmente as obras são retomadas e respeitado o cronograma até o seu final, que se dá em 1978. O emissário, com uma extensão de 4 km, diâmetro interno de 1,75 m e capacidade de vazão de 7.000 litros por segundo, permitiu o desafogamento dos sistemas de Santos e São Vicente, como também de Cubatão, Vicente de Carvalho e Guarujá.

A construção do emissário submarino criou uma área de 8 mil m2, pleiteada por muitos anos pelos santistas ao Governo Federal, que acabou concedendo-a. A Prefeitura urbanizou a área e a Câmara autorizou a privatização (img.Poliantéia)
1979 - O interceptor oceânico
O interceptor oceânico, com 5,5 km de extensão, está situado ao longo das praias de Santos. Foi construído em 1974, mas só entrou em operação em 1979, após a conclusão do emissário submarino e de mais estações elevatórias. Por dentro desse imenso duto passa facilmente um automóvel do modelo kombi. Do canal 6 ao canal 3 ele mede 2 x 2 m e está enterrado na areia a 2 m de profundidade. Do canal 3 até o final mede 3 x 2,7 m. e está enterrado a 4 m de profundidade (José Menino). O interceptor oceânico recebe todo o esgoto coletado na cidade e o encaminha à estação de tratamento, no josé Menino.


1979 - Sabesp amplia e completa o sistema de Saturnino
O projeto inicial de Saturnino de Brito é ampliado e atualizado. Das estações elevatórias iniciais, a Sabesp conserva algumas e constrói outras, totalizando 12 estações. A rede de água é ampliada em 1.017 km e a de esgotos, em 944 km. Além disso, a rede de esgotos de Vicente de Carvalho é concluída, o que também contribui para a redução da poluição das praias. Para completar o sistema, é construída uma estação de pré-condicionamento de esgoto (pronta em 1978), que trata cerca de 3.500 litros esgoto por segundo antes de enviá-lo ao mar aberto através do emissário submarino.


1981 - O maior túnel reservatório da América Latina
O aumento populacional de Santos e região provocaram outro grave problema: o abastecimento de água não atendia mais a população. A capacidade de armazenamento em Santos era de 14% da demanda diária, o que provocava constantes faltas de água, principalmente nas temporadas de verão, afugentando turistas e a população residente durante as férias. Havia já estudos e planos para a construção de mais reservatórios, mas todos se mostravam inviáveis por uma razão ou outra.
A solução, na época pouco convencional no Brasil, seria a escavação de galerias em meio à rocha do Morro de Santa Terezinha. O projeto apresentava muitas vantagens: a sua construção não afetaria o ecossistema, não seria preciso desapropriar grandes áreas ou gastar com terraplenagem e, quanto maior a seção escavada, menor seria o seu custo. Além disso, e muito apropriado, a elevação natural do local, a 42 metros do nível do mar, permitiria a distribuição da água por gravidade e com maior pressão.
E dessa forma foi feito. Em 1981, durante o governo de Paulo Maluf, estava pronto o túnel-reservatório, considerado a maior obra do gênero na América Latina. Segundo Tauzer Quindere, então diretor da Sabesp, o abastecimento de água estaria garantido até 2006.

Túnel-reservatório escavado na rocha do Morro de Santa Terezinha: 800m de
comprimento, 15m de largura e até 17m de altura para reservar até 110 milhões
de litros de água que abastecem Santos e S. Vicente. (img. Poliantéia Santista)
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